domingo, agosto 27, 2006

Testamento de um (des)favorecido


Atesto para os devidos fins, que estou quase indo dessa para melhor, ou melhor, batendo as botas, resolvi então me antecipar e fazer um testamento, pedi para meu compadre Bento escrever, pois sou analfabeto, como estou caduco mesmo, ficando "véio” , com dor nas pernas, artrite, tendinite, “hipertencite”, “colesterolzite” e assim vai, sem contar a coisa que não sobe mais, isso me deixa como um morto, mas com uma diferença, eu respiro, resolvi deixar meus bens para minha família, para que não haja brigas após minha ida para um dos dois lugares, ainda não sei o que deus decidiu, se meu futuro será no céu ou no quentinho, assim, deixarei num papel o que cada um terá direito, sem nada não irão ficar, só assim irei descansar.

Primeiramente, quero começar pelo meu filho mais velho, quem me deu a primeira felicidade na vida ao nascer, pois foi um bebê robusto, bonito, saudável, tivemos até que colocar uma correntinha com uma figa pendurada para espantar olho grande, hoje está um homem casado, trabalhador. Para ele, o Arquimino deixarei a casinha meia-água que acabei de construir. No mesmo quintal tem um puxadinho com um barraco velhinho, mas que está conservado, e irá ficar em posse da Creusa, minha única filha mulher, como não quero que Creusa fique brava ou chateada, por não ficar com a casa que ela queria, ainda vou lhe deixar a caixa d’água, e espero que fique feliz.

Para o Onório, ao pensar nele observei que dentre os filhos ele têm mais condições, como não quero deixar ninguém de mãos abanando e depois falando por ai “Ah o velho morreu e não deixou nada”, então vou deixar aos seus cuidados a minha cadelinha vira-lata e meu carrinho-de-mão, porque sei que ele irá precisar do carrinho quando fizer obra. Meu filho caçula o João Tião ficará com meu dente de ouro e a minha bicicleta, a qual eu tenho a alguns anos.

Se minha mulher não for “duma dessa” antes de mim, ficará na nossa mesma casa, mas receberá a pensão do INSS, já andei vendo, será um salário mínimo. É isso, não quero que chorem em meu velório e não quero que retirem minha aliança e meu relógio, muito menos cortem a minha unha do dedo “mindinho”,pois demorou anos para ficar do tamanho que está, já fiz este testamento para não brigarem, e se isso acontecer ou se não fizerem o que eu pedi eu volto, ah mais eu volto, escrevam o que eu estou dizendo, e busco tudo de volta, além de puxar os pés de vocês a noite, ouviram?!

terça-feira, agosto 22, 2006

O que o Sistema irá trazer?



E a indagação não quer calar, ou quer?Nossos sistemas funcionam num andar de formiga.Dona Selma tenta viver miseravelmente, desigualmente.Pois vive num sistema capitalista, que gera espantosa desigualdade.Uns têm e outros não. Uns podem ter e outros se sacrificam para tentar ter.

Mas Dona Selma continua nos seus afazeres. Ela vive a vida igual a de milhõesde brasileiros, indicados como miseráveis.Além de fazer faxina, ela leva e trás seus filhos da escola pública, limpa suaprópria casa, faz render seu salário mínimo para seis pessoas.Por conta de seu sistema nervoso, vai cuidando de sua gastrite nervosa, diz que isso é coisa só de agora, da modernidade.

Ao visitar seu marido no cárcere que o encontra, fica num nervo só que se dá conta.Eta coisa desumana, depósito de seres humanos, onde degrada-se aos poucos.Lugar sujo, enferrujado, quebrado, lotado e insensato.É, deve ser culpa do sistema penal, que não cumpre seu discurso oficial.Dignidade não existe ali.

Para tratar de sua saúde Dna. Selma procura o SUS (Sistema Único de Saúde),infelizmente é “único” mesmo, é o que os desfavorecidos têm de público em saúde.Porém não funciona direito, principalmente aquele que tem lá no morroem que Dna. Selma mora, muita gente necessita, assim, toda vez que ela aparece para pegar seus remédios, volta para casa decepcionada, estarrecida da tamanha “alavancada”.